Por André Geraldo Soares
As cidades brasileiras, à medida que crescem, vão se tornando lugares desagradáveis de se viver. Seguindo o atual modelo de desenvolvimento, as cidades perdem qualidade enquanto ganham quantidade. Tanto menos sossego, bem-estar e belezas quanto mais população, PIB e concreto. E, contraditoriamente, quanto maiores se tornam, menos espaço oferecem para seus moradores vivê-las.
Este tipo de cidade lesa a ética, zomba da lógica e engana a estética. Reagindo, em todos os setores sociais existem pessoas e instituições que buscam fazer as cidades valerem a pena. Mas, qual é esta cidade que queremos? Quem são os que desejam tal cidade? E por que a bicicleta pode ajudar a construí-la?
A cidade que queremos será pensada para as pessoas, e não para as máquinas. E, reforçamos: para todas as pessoas, e não apenas para quem está da metade para cima na pirâmide social. Mais do que isso, tal cidade contribuirá para a equidade social.
Nesta cidade, mesmo as crianças poderão ir e vir para lá e para cá sem medo, porque a infraestrutura viária e os agentes de trânsito visarão a segurança e conforto dos mais vulneráveis – ciclistas e pedestres –, e não o escoamento veloz e ininterrupto dos veículos motorizados particulares.
A cidade que queremos terá espaços públicos amplos, ao ar livre e cobertos, para a reunião e o convívio, o lazer e o ócio, a brincadeira e o trabalho comunitário. Ao invés de localizados somente nas áreas “nobres”, tais espaços serão bem distribuídos em todos os cantos onde mora gente. Ao invés de disputadas pela especulação imobiliária, as áreas públicas serão valorizadas, protegidas pela lei e cuidadas por todos os munícipes. Esta cidade, portanto, não concederá privilégios nem permitirá a segregação.
A cidade que queremos será integrada à natureza e suas árvores e seus córregos deixarão de ser considerados empecilhos do progresso. Será arborizada para quebrar as ilhas de calor e para atrair pássaros e piqueniques. Valorizados pelo que são e não pelo que delas se pode extrair, suas praias e encostas, protegidas do saque e dos dejetos, serão permanentes paisagens urbanas.
Esta cidade será saudável para o corpo e para o espírito, pois as pessoas quererão caminhar e pedalar pelas suas ruas e preferirão vencer as maiores distâncias em veículos coletivos. Seu ar não empestará nossos pulmões e seus ruídos, amainados, deixarão de ser fonte de estresse.
E quem são os que desejam tal urbe? Nem todos os críticos urbanos têm propostas – e, menos ainda, ações – para modificá-la. E, pior ainda, a maioria das ideias e práticas pretensamente transformadoras, porque não contradizem o paradigma dominante, aprofundam ainda mais os problemas.
Não pode melhorar a cidade quem não constrói a democracia, o regime em que a sociedade é comandada pelo conjunto dos seus moradores, independente da classe social, ao invés de controlada pelo poder econômico e pelos seus serviçais na prefeitura e no parlamento. Ou seja, aqueles meros esbravejadores de bares, da internet e das passeatas que não fazem mais do que culpar o governo… Não passam de indolentes políticos!
A democracia representativa – um voto a cada dois anos – é apenas uma oligarquia disfarçada. Quem quer realmente mudar a cidade tem que querer trabalhar por ela – construindo a democracia participativa. Quem tem repulsa pelos movimentos sociais e não tolera assembleias, ah!, este faz parte do problema, e não da solução. Porque somente a democracia poderá implantar valores comunitários e solidários, suplantando aqueles que incentivam a disputa, o acúmulo e ostentação de bens – e o uso dos mesmos para manter a dominação.
Os democratas autênticos (que não são encontrados em nenhum partido que tem democracia no nome) se preocupam, preliminarmente, com a formação cultural dos seus munícipes para que eles possam, de igual para igual, refletir, discutir e decidir com base na ciência e na história, e não no marketing e nos editoriais tendenciosos.
Pensamos que assim instrumentados, os munícipes sentir-se-ão estimulados a levar em consideração, nas suas escolhas individuais, o que é o melhor para a sociedade e para a natureza, e não apenas para si próprio.
E a bicicleta é, juntamente com a caminhada e sua integração com o transporte público, a melhor opção para o bem-estar individual, para a justiça social e para a harmonia ecológica. As cidades que permitem efetivamente o uso da bicicleta deixarão, inclusive, mais espaço para quem não pode usar outro meio de transporte além do carro, que deixará de ser uma ameaça constante no trânsito.
Sendo prática para seus usuários, econômica para os recursos públicos e limpa para a natureza, a bicicleta é, mais que uma promotora da qualidade de vida urbana, um símbolo da recuperação das cidades.
As cidades que estimularem o uso da bicicleta, sobretudo as pequenas e médias, estarão pulando a “etapa dos erros” cometidos pelas cidades que cresceram sob a batuta dos automovelcratas, evitando os prejuízos causados por esta opção.
A bicicleta, é, nesse sentido, mais do que um veículo de transporte, um veículo de transformação social. E as cidades que se derem conta disso, estarão contribuindo com a transformação civilizacional.